
O Governo de Luís Montenegro anunciou a intenção de rever o Código do Trabalho, com destaque para possíveis alterações às medidas introduzidas pela Agenda para o Trabalho Digno. Esta decisão reacende um debate importante: como garantir que a legislação laboral acompanha a evolução do mercado sem comprometer a estabilidade necessária às empresas e aos trabalhadores?
Enquanto negócio com impacto direto no sector do emprego, temos acompanhado diariamente os efeitos das mudanças legislativas no mercado de trabalho. Embora a agilidade legislativa seja importante, a previsibilidade também é um fator essencial para garantir estabilidade. Alterações frequentes criam incerteza, dificultam o planeamento estratégico das empresas e podem afastar investimento, especialmente em sectores que dependem de talento qualificado e estabilidade contratual.
O mais urgente não é necessariamente reverter ou manter medidas anteriores, mas sim construir um quadro legal que promova simultaneamente flexibilidade e segurança. É fundamental clarificar o regime de trabalho nas plataformas digitais, garantindo direitos sem comprometer modelos de negócio inovadores.
É necessário também simplificar os mecanismos de contratação e despedimento, sem desproteger os trabalhadores, e promover a transparência salarial e a igualdade de oportunidades enquanto passos cruciais para modernizar o mercado de trabalho.
Mais do que legislar em reação, é tempo de legislar com visão. A estabilidade normativa, aliada à capacidade de adaptação, será o verdadeiro motor de um mercado de trabalho competitivo, inclusivo e sustentável. O diálogo entre Governo, empresas e trabalhadores será decisivo para alcançar esse equilíbrio.
Paula Baptista, Diretora-geral da Hays Portugal
O país prepara-se para mais uma revisão do Código do Trabalho. Este é o momento certo para refletir, não apenas sobre normas, mas sobre a visão que queremos para o mercado de trabalho em Portugal. Não se trata de legislar por impulso, mas de garantir que a legislação acompanha, com inteligência e ambição, as transformações estruturais do emprego. A legislação laboral deve ser um pilar de progresso social e desenvolvimento económico. A prioridade deve ser assegurar que a legislação acompanha, com visão e coerência, a evolução do mercado de trabalho.
Estamos perante uma transformação estrutural do trabalho: novas tecnologias, envelhecimento demográfico, escassez de talento e expectativas diferentes por parte das novas gerações. A realidade laboral já não cabe num modelo tradicional. O que hoje se exige é enquadramento legal que promova a empregabilidade, incentive a qualificação contínua, valorize a flexibilidade com responsabilidade e torne o mercado mais competitivo.
Segundo o Eurostat, 42% das empresas portuguesas têm dificuldades em recrutar. Isto deve motivar-nos a colocar a empregabilidade no centro da política laboral, com incentivos claros à formação, reconversão profissional e integração ativa de jovens, seniores e grupos sub-representados.
É fundamental que a legislação reconheça a diversidade de formas de trabalhar, do remoto ao trabalho por projeto. As soluções mais eficazes assentam num enquadramento legal que combina estabilidade com adaptabilidade, valorizando a aprendizagem contínua, a mobilidade e a inclusão no mercado de trabalho.
Mais do que o conteúdo da próxima revisão legislativa, importa a sua abordagem. É essencial adotar uma visão de longo prazo, construída em diálogo entre empresas, trabalhadores e Estado, onde o Código do Trabalho funcione como motor de coesão, inovação e crescimento.
Este é o momento de olhar para o futuro com ambição e responsabilidade. A próxima alteração à lei laboral pode ser uma oportunidade para alinhar o país com os desafios globais, atrair e fidelizar talento, fomentar a produtividade e promover o trabalho digno. É preciso construir um modelo de futuro, onde legislar bem é legislar com propósito.
Alexandra Andrade, Diretora-geral da Adecco Portugal
A lei nº 13/2023, a contestada Lei do Trabalho Digno, constitui uma experiência legislativa que deixou marcas na história recente e, simultaneamente, um exemplo daquilo que é mais urgente mudar na legislação laboral portuguesa. A última alteração ao Código do Trabalho (CT) foi pioneira mundial na tentativa de colocar os trabalhadores das plataformas digitais sob a proteção do contrato de trabalho e foi, sobretudo, uma das derradeiras tentativas de um ciclo de legisladores que a partir de 1975 tentaram prolongar os sonhos de Abril, com o objetivo único de ganhar as simpatias dos eleitores.
A partir de 1975 as alterações à legislação laboral foram, na maioria dos casos, indexadas aos calendários eleitorais. O CT que, a partir de 2009, procurava dar alguma estabilidade à legislação do trabalho subordinado teve, até hoje, uma média de uma e meia alterações por ano. Ao procurar libertar a legislação atual de grilhetas partidárias, o atual Executivo responsabiliza-se pela assunção de um papel de regulador: limitar a intervenção do Estado no mundo do trabalho e proporcionar condições de estabilidade legislativa essenciais não só para quem cria postos de trabalho mas também para quem os ocupa.
Num mundo que está a passar por mudanças que põem à prova a flexibilidade de empresas, a legislação laboral portuguesa limita o normal funcionamento da economia, não permitindo que as empresas descolem dos baixos salários e impedindo não só o normal crescimento da economia mas também impele os jovens a continuar a fugir para o estrangeiro e a sujeitar-se a legislação normalmente inferior àquela que Portugal lhes proporciona.
Nos tempos que correm, num mercado de trabalho de baixo desemprego, onde o nível cultural dos trabalhadores, nomeadamente das camadas mais jovens, cresceu significativamente, os jovens já não sonham com o emprego para toda a vida. Sabem que podem facilmente encontrar novas oportunidades de carreira e de remunerações acima do salário mínimo, num mercado onde empresas e trabalhadores sejam donos dos seus próprios destinos.
Amândio da Fonseca, Presidente do Grupo Egor
Enquanto diretor-geral de uma empresa de recrutamento, acompanho de perto os desafios do mercado de trabalho em Portugal. As propostas do novo Governo, como a flexibilização do teletrabalho, comprar dias de férias ou o incentivo ao trabalho, são bem-vindas. Ajudam a modernizar um sistema que precisa de se adaptar à atualidade.
Mas falta enfrentar um tema essencial: a rigidez nos processos de contratação e de cessação de contratos, que prejudica a criação de emprego e sufoca o crescimento das empresas. Fomentar uma política de emprego através da flexibilização das relações laborais é fundamental. Além disso, a complexidade dos processos legais gera situações de conflito que poderiam ser evitadas. Em Portugal, há a perceção de que é possível despedir alguém por falta de desempenho, mas isso obriga a contornar a lei, seja através da extinção do posto de trabalho ou acordos imprevisíveis que dependem da boa vontade do colaborador.
Os colaboradores merecem proteção. São eles que fazem as empresas funcionar. Nenhuma reforma séria pode ignorar esse facto. Mas é igualmente importante criar um modelo que também proteja as empresas, permitindo-lhes tomar decisões com transparência e previsibilidade quando uma relação laboral deixa de fazer sentido para ambas as partes. O legislador tem também de rever a legislação laboral e olhar para a situação do emprego no país como um todo, para implementar mudanças efetivas e estruturadas.
Existem países com sistemas mais equilibrados: permitem despedimentos justificados, impõem compensações justas e claras, e fomentam um mercado mais dinâmico. Nessas economias, o medo de contratar é menor porque as regras são conhecidas, estáveis e justas.
Portugal precisa de avançar para um modelo que combine segurança com agilidade, promovendo uma política de emprego que flexibilize as relações laborais, sem comprometer os princípios básicos da Constituição e da nossa sociedade, e garantindo a segurança no emprego. Essa é uma meta que, até hoje, nenhuma reforma realmente conseguiu atingir. Para o benefício dos colaboradores, das empresas e para atrair o investimento internacional que tanto tem contribuído para o nosso crescimento como país.
Álvaro Fernández, Diretor-geral da Michael Page Portugal
Do ponto de vista de quem dirige uma atividade empresarial em Portugal e é responsável pelo desenvolvimento de milhares de trabalhadores, os pilares fundamentais estão bem definidos: segurança jurídica, clareza nos enquadramentos, e flexibilidade suficiente para atrair talento e responder a ciclos económicos cada vez mais curtos.
A proposta de revisão do Código do Trabalho (CT), recentemente apresentada pelo Governo, representa uma oportunidade relevante para atualizar o enquadramento legal do mercado laboral, face à realidade empresarial e aos desafios da competitividade global. Se queremos um país com maior capacidade de atrair investimento, desenvolver talento e gerar valor sustentado, há alterações que se impõem com particular urgência. Este não é um pacote desequilibrado ou ideológico. O Governo optou por uma abordagem tecnicamente sólida, com preocupações práticas tanto para empregadores como para trabalhadores.
Entre as propostas, destaco uma em particular: a revisão do regime da contratação a termo. A extensão dos prazos máximos (de 2 para 3 anos no termo certo e de 4 para 5 anos no termo incerto) e a eliminação da exigência de proporcionalidade entre o período inicial e as renovações são medidas de bom senso. Alinham o CT com práticas já consolidadas em outros mercados europeus e permitem que as empresas planifiquem com mais estabilidade, reduzindo a rotatividade e aumentando a eficácia na formação de equipas.
Ao mesmo tempo, é positivo ver que se pretende corrigir uma limitação que impedia empresas com mais de 250 trabalhadores de recorrerem à contratação a termo em sede de novos projetos ou aberturas de atividade. Essa exclusão penalizava, injustificadamente, os grupos com maior capacidade de investimento, aqueles que podem criar emprego qualificado e sustentável. Portugal não precisa de escolher entre proteger os trabalhadores ou apoiar as empresas. O que se exige é visão estratégica, capacidade de compromisso e um enquadramento legal que não fique refém de ortodoxias ideológicas. Esta revisão deve ser o início de um novo ciclo de responsabilidade partilhada entre Governo, parceiros sociais e tecido económico.



