Foi esta noite publicado o Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março (aqui em anexo), que estabelece uma medida excecional e temporária de proteção dos postos de trabalho, no âmbito da pandemia COVID-19. Este diploma vem alargar as medidas previstas na Portaria n.º 71-A/2020, de 15 de março (que é agora revogada), e concretizar alguns pontos que ofereciam dúvidas interpretativas.
Desde logo, o conceito de “situação de crise empresarial” torna-se mais abrangente:
a. Passa a considerar-se o encerramento total ou parcial da empresa ou estabelecimento, decorrente do dever de encerramento de instalações e estabelecimentos, por força da regulamentação do atual estado de emergência (i.e., nos termos do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março) ou por determinação legislativa ou administrativa, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, ou ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, assim como da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro. Ou seja, as medidas de apoio passam a abranger os trabalhadores diretamente afetos à empresa ou estabelecimento encerrados com base nos referidos motivos.
b. A quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da faturação passa a reportar-se ao período de trinta dias anterior ao pedido junto da segurança social, por comparação com (i) a média mensal dos dois meses anteriores a esse período ou (ii) com o período homólogo do ano anterior ou ainda, (iii) para quem tenha iniciado a atividade há menos de 12 meses, com média desse período.
c. Mantém-se a referência à paragem total ou parcial da atividade da empresa ou estabelecimento que resulte da interrupção das cadeias de abastecimento globais, ou da suspensão ou cancelamento de encomendas. No entanto, o preenchimento do conceito de situação de crise empresarial torna-se, nesta parte, mais exigente, pois terá de ser suscetível de demonstração (num cenário de fiscalização) através de documentos que evidenciem o cancelamento de encomendas ou de reservas, dos quais resulte que a utilização da empresa ou da unidade afetada será reduzida em mais de 40% da sua capacidade de produção ou de ocupação no mês seguinte ao do pedido de apoio.
As circunstâncias referidas nas alíneas b) e c) têm de ser atestadas através de declaração do empregador conjuntamente com certidão do contabilista certificado, enquanto que a circunstância prevista na alínea a) não carece dessa formalidade.
Para comprovação da situação de crise empresarial, num cenário de fiscalização, poderá ser exigida às empresas a apresentação de determinados documentos, designadamente, além do que já foi referido: (i) balancete contabilístico referente ao mês do apoio bem como do respetivo mês homólogo ou meses anteriores, quando aplicável; (ii) declaração de IVA referente ao mês do apoio bem como dos dois meses imediatamente anteriores, ou a declaração referente ao último trimestre de 2019 e o primeiro de 2020, conforme a requerente se encontre no regime de IVA mensal ou trimestral respetivamente, que evidenciem a intermitência ou interrupção das cadeias de abastecimento ou a suspensão ou cancelamento de encomendas; (iii) elementos comprovativos adicionais a fixar por despacho da Ministra do Trabalho e Segurança Social.
Dito isto, segue resumo das medidas que visam a manutenção dos postos de trabalho (e às quais as empresas em situação de crise empresarial podem recorrer), com referência às principais alterações agora introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10-G/2020:
- Apoio extraordinário à manutenção de contratos de trabalho, com ou sem formação (lay off simplificado)
Em síntese, esta medida reveste a forma de um apoio financeiro, por trabalhador, atribuído à empresa e sendo destinado exclusivamente ao pagamento de remunerações.
Estabelece-se agora que o empregador pode reduzir temporariamente os períodos normais de trabalho ou, inclusive, suspender os contratos de trabalho, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho. Ou seja, a medida anteriormente prevista na Portaria n.º 71-A/2020 é substituída por um regime simplificado de redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho, estando agora em causa um verdadeiro lay off simplificado.
O trabalhador abrangido não poderá prestar trabalho à própria entidade empregadora (quando tenha sido adotada a modalidade de suspensão do contrato) ou prestar trabalho para lá do horário estabelecido (quando tenha sido adotada a modalidade de redução temporária do período normal de trabalho), sob pena de restituição dos apoios recebidos.
Durante o período de redução ou suspensão, o trabalhador tem direito a uma compensação retributiva na medida do necessário para, conjuntamente com a retribuição de trabalho prestado na empresa ou fora dela, assegurar dois terços da sua retribuição (ou o valor do salário mínimo nacional, consoante o que for mais elevado), até ao triplo do salário mínimo nacional. Tal compensação retributiva é paga pelo empregador, mas concedendo a Segurança Social um apoio financeiro correspondente a 70% do seu valor.
Até 30 de junho de 2020, a compensação retributiva é paga por referência à retribuição normal ilíquida do trabalho prestado na empresa, devendo os serviços da Segurança Social proceder subsequentemente aos ajustamentos que se revelem necessários, com eventual restituição das quantias indevidamente recebidas.
Caso o trabalhador exerça atividade remunerada fora da empresa deve comunicar o facto ao empregador, no prazo de cinco dias a contar do início da mesma, para efeitos de eventual redução na compensação retributiva, sob pena de perda do direito da compensação retributiva e, bem assim, de ter de restituir os montantes recebidos a este titulo, constituindo a omissão uma infração disciplinar. O empregador deve comunicar junto à Segurança Social o exercício de atividade remunerada do trabalhador fora da empresa, no prazo de dois dias a contar da data em que dela teve conhecimento.
Em termos de procedimento para acesso à medida, o empregador deve:
a. Ouvir os delegados sindicais e comissões de trabalhadores, quando existam;
b. Comunicar por escrito aos trabalhadores a decisão de requerer o apoio, indicando a duração previsível;
c. Remeter de imediato requerimento eletrónico ao serviço competente da Segurança Social (existem indicações de que o formulário a preencher e a entregar via Segurança Social Direta será disponibilizado durante o dia de hoje), juntamente com: (i) descrição sumária da situação de crise empresarial que o afeta; (ii) certidão do contabilista certificado da empresa que o ateste, quando aplicável, i.e., nas situações de quebra de faturação e interrupção das cadeias de abastecimento, suspensão ou cancelamento de encomendas; (iii) listagem nominativa dos trabalhadores abrangidos e respetivo NISS.
Foi ainda clarificado que os requerimentos entregues ao abrigo da Portaria n.º 71-A/2020, até ao dia 26 de março de 2020, mantêm a sua eficácia e são analisados à luz do estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-G/2020. Parece, assim, que os requerimentos apresentados até à data, por outros meios que não o envio de formulário eletrónico (que não foi disponibilizado), irão ser analisados.
O apoio ora em análise tem a duração de um mês, apenas se admitindo a sua prorrogação até três meses (ao contrário do que estava previsto na Portaria n.º 71-A/2020, nos termos da qual a prorrogação podia ser concedida até seis meses).
Este apoio é cumulável com um plano de formação aprovado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. Nesse caso, será atribuída uma bolsa correspondente a 30% do IAS (€ 131,64), sendo metade atribuída à entidade empregadora e outra metade atribuída ao trabalhador.
Fica ressalvada a possibilidade de continuar a ser aplicado o regime do Código do Trabalho relativo à redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador. Ou seja, sem prejuízo desta medida, o empregador poderá continuar a recorrer, por exemplo, ao lay off clássico ou ao encerramento temporário ou diminuição temporária da atividade devido a caso fortuito ou de força maior.
2. Plano extraordinário de formação
A possibilidade de as empresas em situação de crise empresarial (que não tenham recorrido ao apoio referido no ponto 1) acederem a um apoio extraordinário para formação profissional a tempo parcial, mantém-se à semelhança do que tinha sido previsto na Portaria n.º 71-A/2020.
3. Incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa
A possibilidade de as empresas acederem a um incentivo financeiro para apoio à normalização da atividade da empresa, no valor de € 635,00 por trabalhador, através de requerimento ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, mantém-se à semelhança do que tinha sido previsto na Portaria n.º 71-A/2020.
4. Isenção temporária de pagamento de contribuições para a Segurança Social a cargo do empregador
A isenção total do pagamento de contribuições para a Segurança Social, pelas empresas que tenham beneficiado das medidas supra referidas, durante o período de vigência das mesmas, mantém-se à semelhança do que tinha sido previsto na Portaria n.º 71-A/2020. No entanto, o n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 20-G/2020, estabelece um limite máximo de três meses para esta medida.
Face à aparente desarticulação entre normas, colocam-se algumas dúvidas: por exemplo, o empregador que tenha beneficiado do lay off simplificado pelo período de três meses irá ter direito a beneficiar de isenção de contribuições aquando da concessão de incentivo financeiro para apoio à normalização da atividade da empresa?
Por outro lado, clarifica-se agora que, durante o período de aplicação das medidas supra referidas nos pontos 1 a 4, bem como nos 60 dias seguintes, o empregador não pode fazer cessar os contratos dos trabalhadores abrangidos, através de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, sob pena de restituição dos montantes recibos ou isentados.
Não consta do diploma agora publicado norma semelhante à do artigo 4.º da Portaria n.º 71-A/2020, i.e., a necessidade de a empresa ter comprovadamente as situações contributiva e tributária regularizadas, enquanto requisito de acesso às medidas de apoio. No entanto, essa exigência pode extrair-se, desde logo, da remissão que é feita para o artigo 298.º do Código do Trabalho, no que toca ao regime do lay off simplificado. De resto, o Decreto-Lei n.º 10-G/2020 vem clarifica que, para que a situação contributiva e tributária se considere regularizada, não relevam as dívidas constituídas no mês de março de 2020.
O Decreto-Lei n.º 10-G/2020 produz efeitos a partir de 27 de março de 2020 e vigora até 30 de junho de 2020, ficando a sua prorrogação por mais três meses condicionada à avaliação das consequências económicas e sociais da COVID-19.